Mais uma vez assisti o filme “O feitiço do tempo” (Groundhog Day – título em inglês), no qual conta uma bizarra experiência de Phill, um meteorologista arrogante, que fica preso ao tempo fazendo-o viver durantes muitos anos o mesmo dia 02 de fevereiro, Dia da Marmota, numa cidadezinha da Pensilvânia onde tal dia é uma tradição.
A prisão de Phill o condena a viver com as mesmas pessoas, no mesmo lugar durante muitos anos tornando dias insuportáveis ao ponto de tentar suicídio de muitas maneiras sem êxito. Para amenizar seu sofrimento, Phill é obrigado a criar novas experiências para que, ao menos, possa fazer daquele rotineiro dia, um dia distinto do “anterior”. Nos momentos insuportáveis, Phill trata todos muito mal, num escape de se livrar das mesmas experiências com as mesmas pessoas e, a cada mesmo dia Phill busca novas expectativas em seu tormento diário. Ele tinha de buscar fazer diferente um dia que era sempre o mesmo.
Como fazer diferente aquilo que está condenado a ser sempre igual? Eis uma pergunta a se fazer.
Sua produtora Rita, do qual ele escondia uma admiração desde o primeiro dia em que a viu, era a única pessoa na qual tentava explicar o que se passava e, como já havia decorado os acontecimentos e a identidade de todos naquela cidadezinha, não foi tarefa difícil convencê-la de que algo ocorria de estranho com ele. À medida em que ele a conhecia, sua admiração aumentava e, como tinha todo o tempo do mundo, dedicou com todo empenho para fazer de si mesmo a pessoa ideal à ela: se tornou um homem sensível, talentoso, escultor, altruísta, salvando as vidas de pôde, pois quem tinha mesmo de morrer daquele dois de fevereiro, ele não conseguiu mudar o destino, isto é: mesmo com todo o poder que Deus nos dá para mudar, há leis que transcende o poder do livre-arbítrio; excelente músico, fluente em Francês além de conhecedor de poesia francesa do século XIX; enfim, o homem ideal para Rita: surpreendente, insuperável e acima de tudo agradável. O melhor partido da cidade.
Aqui vale uma afirmação: só se gosta de alguém quando a conhecemos.
Ele não tinha outra maneira de fazer daqueles dias idênticos e quase insuportáveis, dias que valiam a pena, a menos se não se submetesse aos mesmos estímulos que naturalmente as pessoas e os momentos o traziam. Foi obrigado a fazer diferente todos os dias para que algo fosse diferente, isto é: a notável missão de fazer o mesmo dia ser um dia diferente a cada dia.
Ele só tinha as mesmas vinte e quatro horas para fazer tudo que fez; as mesmas vinte e quatro horas de sempre e conseguiu mudar tudo em si mesmo e a percepção que todos tinham dele, tornando-se um verdadeiro abençoado.
Ninguém depende de mais nada, de nenhum outro recurso além de tempo para ser o que desejar e viver como imagina; apenas tempo, apenas vinte e quatro horas a cada dia que o Creador lhe permita.
Lembre-se: todos temos o mesmo tempo todo dia com uma imensa vantagem da personagem Phill: dias diferentes com experiências diferentes independente se as criamos. Aproveitemos!
Moral da estória: Quantas pessoas que têm a cada dia oportunidades de experiências distintas e lutam deliberadamente para que seus dias sejam os mesmos todos iguais?
Phill não tinha outra forma ou estaria condenado à mesmice da rotina.
A maioria das pessoas deseja viver todos os dias da mesma maneira, numa luta contra os estímulos naturais que o universo traz de presente a cada segundo. Na busca tola de fazer com que todos os dias sejam os mesmos, desperdiçando a incalculável e infinita oportunidade que tem.
Desculpe a redundância, mas em suma: Phill buscava fazer do mesmo dia um dia diferente, enquanto a maioria tenta fazer de dias diferentes, o mesmo dia.
João Marcos Vieira